VOTAMOS ERRADO?


POR QUE O POVO BRASILEIRO VOTA EM CORRUPTOS E NÃO SE SENTE REPRESENTADOS POLITICAMENTE?


A palavra "República" vem do latim res publica, o que significa "assunto público". Na prática muito coisa não é pública e a luta pelo poder é cada vez mais escandalosa. Atualmente o Brasil vive um cenário de institucionalização da corrupção. Os políticos envolvidos nos escândalos continuam em tentar mais alguns anos no poder. A permanência no cargo envolve, além do poder, dinheiro e o foro privilegiado. Contudo a pergunta mais crucial a se fazer é: Por que o povo continua votando em corruptos? 

Uma pesquisa do instituto Ipsos em 2017 mostra que apenas 6% dos eleitores se sentem representados pelos políticos que já votaram. Ou seja, a maioria dos votos são pelos mais diversos motivos, menos a esperada representatividade de ideias e defesa de interesses que envolvem o bem comum. Segundo matéria da Veja "a onda de negativismo contamina a percepção sobre a própria democracia: só metade da população considera que esse é o melhor regime para o Brasil, e um terço afirma que não é. Quando os eleitores são questionados especificamente sobre o modelo brasileiro de democracia, a taxa de apoio é ainda mais baixa: 38% consideram que é o melhor regime, e 47% discordam". Aqui podemos ter uma ideia da insatisfação sobre o modelo democrático brasileiro, inclusive com interpretação ao retorno de modelos autoritários como o Regime Varguista e Militar. O povo esta entrando em estado de anomia, o que sugere o aparecimento de líderes populistas que ofertam medidas para voltar com a ordem e espantar o caos (leia nosso texto sobre Ordem e Caos). Durante as manifestações contra a ex-presidente Dilma Roussef, o Ipsos apontou que 81% das pessoas não culpavam os partidos, mas o sistema político. De certa forma, não temos ideologias bem representadas dentro dos partidos. 

No Brasil o senso cultural e acadêmico gerou a ideia que Social-Democracia é direita, assim temos um PSDB figurando como direita, sendo que a realidade joga o mesmo para dentro de um espectro de centro-esquerda (em qualquer lugar do mundo é assim, portanto não limite seu conceito de esquerda e direita com tamanho de Estado. Tal apelo é leviano e bem reducionista). Por anos a Política das Tesouras foi apresentada no nosso país como direita e esquerda. Depois de 8 anos de PSDB, o início do Governo Lula adotou ações que mantiveram as metas econômicas e políticas do seu predecessor, inclusive manteve a equipe econômica. Toda essa rede de proteção social criada pelo PSDB e sofisticada pelo PT serviu para escravizar o povo e torná-lo detentor de títulos fictícios. Quem estava dentro da rede de proteção assistencialista gozava do status de Classe Média. Ou seja, argumentos estéticos eram usados para ludibriar o cidadão, sendo que a "credibilidade" para tal coisa veio de um sistema de crédito fácil que gerou bolhas prontas para estourar, sendo a imobiliária a mais perceptível. No final, a intenção das tesouras é manter o povo sobre controle mantendo os mecanismos  governamentais, principalmente os burocráticos, para aumentar ou diminuir a influência de acordo com o memento. Depois de tanto tempo de política das tesouras, o que percebemos foi uma maior concentração de poder no Governo Central e uma maior intervenção do Estado nas relações individuais dos cidadãos.

Veja essa análise de Miguel Daoud:



Mesmo depois disso tudo que falamos, como o povo, mesmo se sentindo sem representatividade, mesmo com todo esse discurso estético e mesmo sabendo dos casos assombrosos de corrupção, continuam votando no establishment político? Iremos propor a resposta em três argumentos:

1. O sistema de representatividade brasileiro não representa o cidadão. Isso é um fato. Tivemos uma reforma política pífia que não mudou praticamente nada. Temos uma infinidade de partidos que procuram chegar ao poder, apenas. Não existe nenhuma decisão ideológica, apenas decisões de conveniência e consequência. Portanto nosso sistema político é muito maquiavélico, do ponto de vista ideológico. Nenhum partido tem fidelidade ideológica, muito menos ética. Percebemos por exemplo um Cabo Daciolo entrando na política através do PSOL. Pura oportunidade quando o mesmo era líder nas manifestações do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro.

Outro aspecto do mesmo tema é o que o Juiz Márlon Reis aponta no livro "O Nobre Deputado". Logo no começo do livro, o Deputado (cujo o nome não foi mencionado) deixa evidente que não é representante do povo, mas do seu partido. Afasta a ideia do político a serviço do povo, mas do partido para consolidar poder. Colocar a superestrutura ideológica depois da superestrutura política (existe um vídeo do Jose Dirceu que evidencia muito bem isso). O Deputado afirma que deve obediência a sua liderança partidária, caso contrário ficará fora de alguns esquemas de financiamento de campanhas e se afastará da liderança do partido. Em sua lógica, essa visão de que o político é representante do povo, sendo eleito para assegurar os interesses dos eleitores está equivocada e apenas serve para bajular as pessoas que supostamente o elegeram. O Deputado afirma que seu trabalho é pautado por interesses, assim como qualquer outro: "Represento os interesses do povo em diversos níveis: meu país, meu Estado, minha cidade, meus amigos, minha família, meus interesses próprios. Nessa ordem crescente". 

O capítulo "O político, um incompreendido", esclarece que o voto das pessoas comuns que tentam escolher candidatos baseados em critérios ideológicos ou empáticos, não se torna relevante no final, pois, no Brasil, quem ganha a eleição é quem tem mais dinheiro. "O jogo é comprado, vence quem paga mais. Sempre foi assim e sempre será, pois os novatos que ingressam com ilusões de mudança são cooptados ou cuspidos pelo sistema". Todos os políticos eleitos foram aqueles que conseguiram mais dinheiro para a campanha, consequentemente compraram mais votos. Em resumo, a política é movida por três elementos: dinheiro, poder e vaidade. 

Depois desse breve resumo do livro, qual a sua opinião sobre emendas parlamentares? Sobre financiamento público de campanha? Sobre essa Rede Assistencialista que foi tema no TSE tipificado como estelionato eleitoral? Acha realmente que o dinheiro de emenda ou de algum projeto são revertidos na totalidade para o cidadão? A Lava-Jato provou que não!



2. Outro ponto relevante para nossa explicação é gerado pela falta de representatividade. O pós-modernismo trouxe um novo individualismo. Um individualismo que não agrega, pois se pauta em desejos, vontades e paixões individuais. David Hume diz que a razão se contamina pelas vontades, corroborando com a ética maquiavélica da consequência, ou melhor, quando atinge o fim desejado o método torna-se ético. Temos uma ética contaminada por vontades gerando até uma "racionalidade" para isso. No processo de separação de uma ética transcendental e a formação de uma nova ética política, foi sendo percebido que o político seria aquele que consegue juntar um grupo com mesmas vontades para "representar". Nossa atmosfera marxista permite uma fácil criação desses coletivos. Nada está baseado numa política de bem comum, pelo contrário, esta baseado numa política epicurista e hedonista. Cícero diz "feliz o homem que pode verdadeiramente gozar do bem universal, não por mandamento das leis, mas em virtude de sua sabedoria; não por um pacto civil que com ele se queira celebrar, mas pela Natureza mesma que dá a cada um o que julga que pode saber, usar e ser-lhe útil". Será que uma pauta hedonista é consequência da virtude de sua sabedoria? Vejamos o vídeo abaixo e por favor, faça uma crítica mental se o mesmo atende ao prazer ou ao bem comum. Fique também atento as táticas de apropriações de termos para depois usá-los de forma reduzida, o que também afasta e limite a sabedoria e o conhecimento:


Começo com uma mentira do vídeo: a tipificação penal não mais imputa com reclusão o porte de drogas, um baseado como o candidato a reeleição afirma. Logicamente que um porte demasiado não tem justificativa de uso próprio. Penas alternativas são adotadas. Outra mentira é que "a guerra" às drogas são contra os pobres, pois todos sentem o impacto e todos são alvos de balas perdidas, assaltos frequentes, latrocínio, etc. sem mencionar nas sequelas familiares, sociológicas e antropológicas deixadas pelo uso de drogas. Para se ter uma ideia, morrem mais pessoas por Overdose nos EUA que homicídios no Brasil. Ou melhor, se o número de homicídios no Brasil é de se espantar, 72 mil casos de overdose também deveria ser espantoso. Nos EUA, após medidas enérgicas contra a venda de analgésicos sob receita, os usuários se viram obrigados a recorrer a heroína e fentanil, que é mais barato e muito mais potente, diz o G1. Para concluir esse item, pergunto: Será que esse discurso hedonista das drogas não seria o mesmo utilizado nos EUA, ou melhor, liberar as drogas devido a violência seria tão eficaz quanto falam? Será que um pobre teria dinheiro para comprar maconha legalizada (cheia de impostos e suscetível ao preço do mercado) ou iria consumir drogas mais pesadas compradas no tráfico? Será que esse mesmo pobre teria condições de entrar numa clínica de reabilitação boa ou ficaria nas mãos do SUS? Portanto, o hedonismo está dentro da cultura política e se reverte em discursos para saciar vontades, o que afasta o bem comum, já que a política de legalização iria obrigar, ou sugerir, um aparato Estatal enorme para conter vendas de drogas mais pesadas, sistema de saúde para lidar com Overdose e tratamentos, fiscalização para venda, campanhas de conscientização, etc.

3. Por último, sendo esse uma soma dois argumentos anteriores. Denise Drechsel diz que "Ninguém mantém um funcionário suspeito de roubo. Mas o eleitor parece não ver inconvenientes em reeleger políticos acusados de irregularidades. Exemplos não faltam". Na tragédia do subdesenvolvimento, a política não é algo importante na vida da maioria da população. “O trabalhador acorda cedo, trabalha o dia inteiro, chega em casa cansado e vai dormir. Nesse quadro, ele se torna refém de qualquer político que ofereça facilidades momentâneas. Acontece o que se vê, a troca de votos por alimentos, remédios, cargos e até por dinheiro. E com as sucessivas reeleições os políticos formam verdadeiras quadrilhas criminosas e fortunas invejáveis”, relata Cláudio Abramo, da ONG Transparência Brasil. Já vimos que essas facilidades momentâneas são formadas pelas políticas hedonistas e pelas redes de assistencialismo, mas por que esses fatores são mais fortes que a ideia de corrupção?

Vamos enriquecer nosso texto. Segundo o Ipsos, de novo, o Brasil é o segundo país do mundo onde há mais falta de conhecimento sobre a realidade (site). Tal fato é campo aberto para o assistencialismo, associado ao subdesenvolvimento, e para as políticas hedonistas que pretendem criar sempre um reducionismo sistematizado sobre o tema. A falta de senso de bem comum também prejudica o brasileiro que procura sempre saciar suas vontades sem pensar na comunidade. É claro que uma minoria troca seus votos por esse assistencialismo barato como dentaduras, sapatos ou dinheiro. Devemos considerar que os eleitores são formados nas diversas camadas da sociedade e todos votam em corruptos, independente do espectro ideológico.

Nosso cérebro memoriza e aprende as coisas da vida por meio dos êxitos, não dos fracassos. O homo sapiens, nos primórdios, aprendeu a caçar suas presas pelos êxitos, não pelos erros. Fracassos nós deixamos de lado rapidamente. Quem gosta dos nossos fracassos são os nossos inimigos. Deixe-os então para eles. Nós gostamos dos êxitos. A verdade é que nossa memória registra pouco dos nossos fracassos (e provoca poucas mudanças estruturais e comportamentais). É por isso que, como se diz popularmente, “somos o único animal que tropeça duas vezes na mesma pedra”. Associando tal teoria com o fato que o brasileiro não tem senso de realidade, os êxitos são sucetíveis a qualquer narrativa rasa, como a do Jean Wyllys no vídeo acima.

O que mais queremos na vida são as recompensas, as vantagens, os benefícios, a sensação de bem-estar, a satisfação dos interesses, o prazer, a alegria, enfim, as coisas boas. Ninguém se interna num hospital para passar umas férias. Nas nossas ações diárias, quando ativamos esse sistema de recompensa, queremos resultados positivos (bons, prazerosos). Se eles acontecem, nossa memória (por força de uma série de mecanismos cerebrais) registra o ocorrido e nos faz aprender, ou seja, nos faz reproduzir no futuro o mesmo comportamento para obter novas recompensas.

Se votamos ou apoiamos um político e ele nos traz benefícios e melhoras na nossa qualidade de vida, nosso cérebro aprende que a reprodução do mesmo gesto ou voto pode gerar novos estímulos de recompensa, ainda mais se a recompensa for baseada no prazer ou no afastamento da dor. Esse é o fenômeno que explica, por exemplo, a eleição de Getúlio Vargas em 1950 (apesar de ter sido um ditador na década de 30). O povo esperava dele novas retribuições. Os políticos experientes sabem que as massas dão prêmios ao passado de êxitos (repita-se: ainda que se trate de um ditador ou de um populista, isso acontece); elas reconhecem o que de bom foi feito para elas.

Neuropoliticamente explica-se que nosso cérebro produz: dopamina (quando tomamos decisões em busca de recompensas, desprezando a aversão a perdas), adrenalina (neurotransmissor que nos guia no momento da ação, ou seja, no momento da caça à presa, no momento do voto, no momento da entrevista para novo trabalho ou de uma prova, da conquista de uma pessoa que desejamos etc.), serotonina nível 1 (decorrente da alegria da primeira recompensa: quando nosso candidato ou partido foi vencedor) e serotonina nível 2 (ligada à felicidade gerada pelas recompensas prometidas pelo político – ele realmente melhorou nossa qualidade de vida, aprimorou a cidade, o país). Em suma: tomamos decisões sob dopamina, agimos sob adrenalina e comemoramos e aprendemos e memorizamos sob serotonina.

Como se vê, é a serotonina que desencadeia o processo de aprendizagem e de memorização no sentido de que repetindo o mesmo gesto ou ato (ou voto) vamos conseguir no futuro as mesmas felicidades (Jordan Peterson comenta isso no seu livro "12 Regras para Vida" usando um estudo sobre comportamento de lagostas). Repetimos o voto em quem nos produz recompensas e alegrias (serotonina nível 1 e, sobretudo, nível 2, consoante a forma exposta). Detalhe fundamental: nosso cérebro suporta o aumento de impostos, a redução dos direitos, tanto individuais como os sociais, as decisões impopulares (cortes de gastos) e até mesmo a corrupção do político, desde que ele nos tenha proporcionado recompensas (serotonina nível 2).

Com o que foi exposto, poderíamos concluir: Lula, mesmo depois de ter sido considerado o modelo de homem corrupto, consegue ter maior índice nas pesquisas porque gerou serotonina nível 2 (recompensas) em seus eleitores (que não esquecem as recompensas).

E a questão ética, em tudo isso, como fica? Para muita gente com serotonina nível 2 ela não conta.



Comparem com Michel Temer. Sua baixa popularidade se deve ao seguinte: o povo não votou diretamente nele: 1/3 da população nunca ouviu falar dele. Leia-se: não houve dopamina (tomada de decisão em favor dele), nem adrenalina (voto nele), nem serotonina (alegrias por recompensas). A receita aos políticos é muito simples, em termos de popularidade: se quer conquistar o povo é preciso que proporcione alegrias para ele (recompensas). Ou seja, mais uma vez um campo fértil para políticas que envolvem prazer. 

"Para Armando Antônio Sobreiro Neto, promotor de justiça e coordenador do centro de apoio eleitoral do Ministério Público do Estado do Paraná, o eleitorado também não conseguiu definir ainda uma escala de valores coerente na volta da democracia após a ditadura. “A distorção mais comum é ‘futebolizar’ o pleito eleitoral, a torcida é para ‘ganhar a eleição’, independente de quem está”, diz na Gazeta do Povo

Concluindo:

Moralidade (ou imoralidade) da história: para o cérebro humano “feliz” (recompensado pelo trabalho do político), em regra, não importa (ou não importa muito) eventual envolvimento dele e, com certeza, do seu partido, com a corrupção. Sob serotonina nível 2 grande parcela das massas tolera até mesmo essa barbaridade ética. Quando as massas não são recompensadas e ficam iradas, até um fiat elba é suficiente para o cartão vermelho. Sob serotonina nível 2, os olhos se fecham, os ouvidos são tapados e as bocas se calam e o Mensalão não é mais lembrando. É assim que a putrefação ética se espalha na vida pública brasileira. As explicações da neuropolítica podem ser contestadas, mas nos fazem pensar. É kantiana.

Finalizo com Cícero:

"A pátria não nos gerou nem educou sem esperança de recompensa de nossa parte, e só para nossa comodidade e para procurar retiro pacífico para nossa incúria e lugar tranquilo para o nosso ócio, mas para aproveitar, em sua própria utilidade, as mais numerosas e melhores faculdade das nossas almas, do nosso engenho, deixando somente o que ela possa sobrar para nosso uso privado."



Cícero, Marcus Tullius. Da República. Domínio Público

Reis, Marlon. O Nobre Deputado. Casa da Palavra

https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/362425773/por-que-as-massas-votam-em-politicos-corruptos-enfoque-de-tres-casos-lula-aecio-e-maluf-explicacoes-da-neuropolitica-quer-saber

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